Torres Vedras, um lugar culturalmente vibrante para todos!
























«A cultura das cidades é coisa de cidadãos.

Não da administração, como bastantes gestores públicos pensam.
E uma esmagadora maioria dos políticos.
A cidade são as pessoas. Todas as pessoas.
Os que nela vivem. E, também, os que nela sobrevivem.
As cidades e um mundo melhor construiremos nós, os cidadãos.
Acabou-se a submissão.»
Toni Puig

Esta citação de Toni Puig resume o essencial do Programa Eleitoral para a Cultura da CDU, nas eleições autárquicas de 2009, em Torres Vedras.

Descubra porquê no documento: Torres Vedras, um lugar culturalmente vibrante para todos! (PDF)

Encontro Cultura e Cidade

Encontro Cultura e Cidade

3 de Outubro – Sábado – 15h

Auditório Municipal de Torres Vedras

(Av. 5 de Outubro)

O Encontro Cultura e Cidade, organizado pela CDU-Torres Vedras, visa promover o debate público sobre questões relacionadas com a definição de uma política cultural na sua relação com o território.

Será um encontro aberto ao público em geral, na expectativa de gerar o interesse e a participação dos cidadãos de Torres Vedras, tendo em consideração a necessidade de abrir um espaço de discussão pública que antecede um acto eleitoral da maior importância para o futuro.

Pretende-se dar relevo à dimensão cultural enquanto elemento fundamental de uma democracia plena, focando a atenção para algumas articulações com áreas e sectores das políticas públicas ao nível municipal.

Para este efeito convidámos personalidades de renome nas áreas da Arquitectura, Ciência e Artes, de modo a lançarem o debate numa perspectiva crítica e geradora de novas possibilidades.

Dividimos os temas do Encontro em duas partes, a primeira dedicada a questões de natureza global, por exemplo: Como integrar a cultura científica numa política cultural municipal?; e na segunda parte questões explicitamente relacionadas com Torres Vedras, na qual contaremos com a presença de João Garcia Miguel, encenador, artista plástico e director artístico do Teatro-Cine de Torres Vedras.

No final do Encontro será apresentado o Programa de Política Cultural da CDU “Torres Vedras, um lugar culturalmente vibrante para todos!”.


PROGRAMA


15h – Abertura e apresentação – Paulo Gonçalves, CDU-Torres Vedras

15h15 – Arquitectura, turismo e património cultural – Filipe Diniz, Arquitecto

15h45 – Ciência e Cultura – André Levy, Biólogo investigador

16h15 – Juventude e Cultura – Membro da JCP

> Moderador: José Augusto Nozes Pires

16h45 – Debate

17h15 - Pausa p/café

17h30 – "A Arte e os seus Duplos" – João Garcia Miguel, encenador, artista plástico e director artístico do Teatro-Cine de Torres Vedras

18h00 – “Ritmical da Rua – um projecto de intervenção artística com jovens”– Ana Mathiotte

18h30 – “Impressões de um artista vivo sobre uma cidade zombie”- André Trindade, artista

> Moderador: Rui Matoso

19h00 - Debate

19h30 – Apresentação do Programa para a Política Cultural:

Torres Vedras, um lugar culturalmente vibrante para todos!”

Encerramento



Torres Vedras, um lugar culturalmente vibrante para todos

1. Políticas Culturais Públicas

Qualquer que seja a noção de “política cultural” esta tem tido múltiplas interpretações e diversos usos ao longo da história.

Em primeiro lugar seria preciso perguntar se é necessária a existência de uma política cultural. Porque poderia não ser. Há mesmo um pequeno grupo de pessoas para quem o Estado, nas suas diversas escalas de governação, não deveria ter qualquer política nem tutela sobre a cultura. O mercado (sector privado), nesta perspectiva, seria a instância necessária para promover o desenvolvimento cultural. Hoje, só por pura excentricidade alguém defenderá esta posição.

Não é essa a nossa posição. Defendemos a existência de políticas de cultura públicas do Estado e de âmbito local, regional e nacional, essencialmente porque se considera a “cultura” como um bem público ou um capital (um valor) que deve ser cuidado pelo conjunto da sociedade - e não apenas por empresas - e sob a sua estrutura política que é o Estado democrático.

Nalguns casos a necessidade da intervenção pública é óbvia, quem mais poderia regulamentar sobre a salvaguarda do património cultural senão o Estado? O grande desafio é então o de delimitar o significado de “cultura”, qual o seu âmbito? Quais as suas dimensões integrantes? Que relações estabelece com a cidade, com o poder político e com os cidadãos?

Neste sentido, a cultura deixa de ser considerada um luxo apenas de alguns, para proclamar-se como um direito de todos. Proclamação cuja real existência requer uma atenta intervenção pública, pois não basta dizer ou escrever que “a cultura é para todos”.

É imperativo analisar-se, por exemplo, os perfis sociográficos dos utentes dos equipamentos culturais, de modo a verificar que segmentos sociais efectivamente os frequentam ou não, tendo em consideração a composição social da população do concelho de Torres Vedras. E, consequentemente, delinear as estratégias que permitam corrigir essas mesmas assimetrias e diminuir a selectividade social dos públicos da cultura.

De facto cultura, cidade e sociedade são dimensões em constante interdependência. Não há cidade, nem sociedade sem cultura(s). Por conseguinte, pode dizer-se que cultura e sociedade são mutuamente constitutivas do todo social. A qualidade de uma afecta a plenitude da outra e vice-versa.

Quanto à noção de “cultura” - conotada aqui exclusivamente com a definição de políticas culturais - salientamos que não a fazemos coincidir apenas com as “artes”. Isto significa que, no âmbito das políticas culturais, a dimensão cultural implica um conjunto mais alargado de preocupações, incluindo:

Cultura como repertório de estilos de vida (padrões de cultura).
Cultura como tradição, memória colectiva, costumes, hábitos,...
Cultura científica: a criação e a investigação científica, a divulgação de conhecimento e a promoção dos saberes.
Cultura tecnológica: a inovação tecnológica relacionada com a produção simbólica.
Cultura artística (artes visuais, artes do espectáculo, literatura, música,...).
Cultura cívica ( associativismo cultural e científico,...).
Os direitos e as liberdades culturais.
A diversidade cultural.
O diálogo intercultural.
O património e os museus.
Os públicos da cultura.
As práticas culturais ao nível do concelho.
A criatividade e a inovação.
A economia da cultura e da criatividade (as indústrias culturais e criativas).
...

Uma das ambiguidades inerentes ao termo “política cultural” é poder pensar-se que equivale a uma administração das actividades culturais, no sentido em que se produz e programa a acção cultural. Por isso, não podemos deixar de sublinhar que a administração pública, o Estado, ou qualquer forma de governação política local ou regional não produz, nem programa, cultura. Pode e deve apenas operar estrategicamente nas outras esferas que não as da produção (criação): distribuição, acesso, democratização, regulamentação, salvaguarda, desenvolvimento, sustentabilidade, etc. Deste modo, a autarquia não pode aspirar a determinar, dirigir, controlar ou tutelar a cultura, mas antes a incentivar uma efectiva participação e a autonomia da pluralidade dos agentes.

Para além de que o acima exposto decorrer de imperativos constitucionais ( Artigo 43.º), é nossa convicção que a arte é por si mesma uma fonte inspiradora de visões do mundo polémicas e não consensuais, pelo que a intervenção em políticas públicas de cultura se deve abster de a programar, relegando essa função para o nível técnico e operacional dos directores e programadores responsáveis pelos equipamentos culturais públicos.

Por outro lado, umas das finalidades fundamentais das políticas públicas de cultura é a de desenvolver o protagonismo cultural da sociedade civil, das populações, dos artistas e criadores, dos grupos amadores, das associações, das indústrias culturais e criativas, na sua potencial diversidade e riqueza de conteúdos. Reduzindo o mais possível o protagonismo da administração pública enquanto “produtor de cultura”, pois este defeito confunde-se na maioria das vezes com a instrumentalização da cultura para fins eleitorais.

A definição de uma política cultural deve por isso sustentar-se na planificação estratégica e até ao pormenor da concepção de projectos estruturantes, adjudicando os seus conteúdos programáticos à intervenção da sociedade civil (indivíduos, grupos, associações, empresas, ...).
Este entendimento tem como pressuposto de base o dever de autonomizar de forma clara e inequívoca as instituições e os equipamentos culturais públicos (salas de espectáculo, museus, galerias, etc), garantindo as condições de trabalho e a independência aos seus responsáveis. Ao mesmo tempo que se exigem as formas de gestão e avaliação intrínsecas a um serviço público de qualidade e catalisador de boas práticas.

Isto significa que só com um forte pensamento estratégico se pode e deve encarar a dimensão cultural da política e da cidade. Ou seja, medidas avulsas, entusiasmos pessoais ou eventos culturais sazonais, não são necessários nem suficientes para elaborar uma política cultural.
Nenhuma política cultural se desenvolve no vazio, nem a partir do vazio. As cidades têm um passado, um presente e um futuro, têm ideias, têm imaginários, têm pessoas e grupos com identidades culturais variadas. As cidades são isso mesmo, a materialização das ideias ao longo do tempo, em ambientes mais ou menos criativos. As cidades devem ser o produto das suas culturas (sempre no plural: culturas), do debate das suas ideias e dos seus valores humanos.

As cidades não podem ser meras máquinas artificiais e administrativas capturadas pelos fluxos globais de hegemonização, da informação e do financiamento. Nem produtos “prontos-a-consumir” enclausuradas numa cultura burocrática.

E quanto a isto não tenhamos ilusões, ou as cidades conseguem mobilizar-se colectivamente e criar dinâmicas adequadas aos novos tempos, ou não. Por todo o mundo, por toda a Europa, ou em Portugal o panorama é idêntico: há cidades genuinamente reflexivas e criativas, e há cidades em declínio mais ou menos acentuado.

Por considerarmos que Torres Vedras já perdeu demasiado tempo com não-políticas ilusórias, tudo faremos para que num futuro próximo Torres Vedras seja um lugar culturalmente vibrante para todos.

Contamos com todos!
É a Hora!

Linhas orientadoras do Programa Eleitoral da CDU - Autárquicas 2009 - Torres Vedras.

Brevemente estará disponível o documento integral
Torres Vedras, um lugar culturalmente vibrante para todos

CULTURA

- Diminuir drasticamente o papel paternalista e tutelar da CMTV no âmbito das actividades culturais.

- Focar a acção da CMTV na promoção estratégica de um desenvolvimento cultural sustentável, de modo a devolver aos cidadãos o potencial criativo e a capacidade cívica de iniciativa.

- Desenvolver de forma sistémica a transversalidade entre a dimensão cultural e as restantes dimensões do desenvolvimento sustentável (Economia, Social, Ambiental), o Espaço Público e a Regeneração Urbana.

- Promover uma política de igualdade para a cultura, dedicando especial atenção à inclusão sociocultural de cidadãos em situações de vulnerabilidade social (deficiência, imigração, minorias, desemprego, pobreza).

- Potenciar o desenvolvimento da cultura científica e tecnológica, e as competências para a sociedade do conhecimento.

- Criar um Conselho Municipal de Cultura, com autonomia, capacidade decisória e formas permanentes de consulta e participação.

- Iniciar um Planeamento Estratégico para a Criatividade e Cultura, baseado em compromissos com a Diversidade Cultural e os Direitos Culturais no âmbito do Desenvolvimento Humano.

- Implementar um novo modelo de Serviço Público de Cultura mais atento e mais próximo das diversas necessidades e desejos das pessoas. Aumentando as formas de comunicação, de transparência e o rigor na gestão das instituições públicas de cultura.

-Democratizar o acesso à cultura, através da formação e do alargamento da base social dos públicos.

- Implementar uma estratégia articulada de desenvolvimento da economia e do emprego no sector cultural e criativo.

- Promover a complementaridade e a partilha de recursos através da criação de uma Rede Cultural comum.

- Criar uma equipa de apoio à elaboração, gestão, dinamização e financiamento de projectos culturais.

- Implementar um Portal de Cultura na Internet, com referência a todas as dinâmicas e recursos culturais do concelho.

- Arte Pública: criar uma comissão municipal variável, com a participação de especialista convidados, que delibere acerca da encomenda, aquisição e localização de obras de arte públicas.

- Aderir à rede mundial de cidades da «Agenda 21 da Cultura».

- Promover uma política Cultural de Juventude: incentivar a formação e a participação dos jovens, atendendo à heterogeneidade sociocultural das «juventudes».

Torres TV - reportagem sobre o Museu Municipal Leonel Trindade


- Sabe onde é Museu Municipal Leonel Trindade? Já o visitou ? ...veja as respostas!

O Centro de Artes do Carnaval

Retomando a linha cronológica: a ideia de um «Museu do Carnaval» estava já consignada no Plano Estratégico da Cidade – 1994 (PEC). O problema é que o PEC no seu horizonte temporal se encontra já desactualizado não tendo sido entretanto revisto e já lá vão quinze anos. Aliás nenhuma das acções propostas para o sector cultural foi executada, porquê agora o Museu do Carnaval?

Quem aceitaria hoje o lema inscrito no PEC que nos remete para uma “Torres Vedras cidade da alegria e da boa disposição”? Para além de ser difícil confirmar esta proposição no quotidiano actual da cidade e por diversas razões, o exercício faz parte de um pensamento já obsoleto, porque visa a criação de cidades monotemáticas: cidade das artes, cidade da alegria, cidade do humor, etc. Desde 1994, o próprio Carnaval em si mesmo veio paulatinamente sofrendo alterações e é hoje muito mais um produto turístico e mediático, do que propriamente uma apropriação da cultura popular, se é que alguma vez o foi.

Este processo de objectitificação da cultura e da memória colectivas, isto é a transformação da cultura em mercadoria de consumo imediato (equiparável portanto à famosa Chiclete), coincide com políticas (despolitizadas) instruídas no sentido de desviar as comunidades, os grupos, ou os indivíduos dos efeitos emancipatórios das práticas carnavalescas ancoradas numa imagem do mundo ao avesso – onde, entre outros aspectos, o rei do entrudo toma o lugar do presidente da câmara eleito, e durante alguns dias deixam os cidadãos de estar simbolicamente sujeitos à lei oficial, abrindo assim uma brecha temporal subversiva face ao poder político local.

Mais concretamente, o que aconteceu e continua a acontecer (veja-se o episódio ridiculamente estranho e lúgubre do “caso magalhães” no último Carnaval) é a valorização e a procura de uma visibilidade externa a todo o custo e encenada, em detrimento de um protagonismo sustentável e de uma activação endógena (e não mera instrumentalização) dos diversos actores sociais e em especial das organizações colectivas. Não será urgente e primordial reflectir-mos primeiro sobre o Carnaval que temos e o que queremos? Porque não criar no Museu Municipal Leonel Trindade um núcleo sobre o Carnaval, em vez de criar um novo equipamento dedicado exclusivamente a um evento turístico-mediático?

O que está em causa na requalificação do antigo Matadouro e da sua transformação em Centro de Artes do Carnaval, integrado no âmbito do programa POLIS, é haver uma decisão política condicionada por um documento fora de prazo (PEC,1994). Deste modo, estamos a construir um futuro que nasce contaminado pela falta de actualização de um projecto de cidade, designadamente quanto à sua dimensão cultural e simbólica. Qual a pertinência de um Centro de Artes do Carnaval? Quem estará interessado a criar ou a expressar-se artisticamente sob os auspícios de um carnaval hegemónico, mercantilizado, controlado pelas rédeas de “turismo cultural” (da geração de receitas directas e induzidas através dos efeitos multiplicadores sobre outros sectores económicos ? ). Os inocentes alunos das escolas que serão obrigados vezes sem conta a carnavalizar-se (ainda mais) desde crianças, numa lógica de dominação simbólica, de reprodução cultural e colonização mental de um evento espúrio ? Qual o significado global de tudo isto se não houver rapidamente uma re-apropriação popular e heterodoxa do Carnaval?

Outra hipótese: e se a proposta para o matadouro fosse um outro tipo de equipamento, com uma ênfase laboratorial que permitisse o desenvolvimento da fileira das artes tecnológicas, da formação científica e da experimentação em novas tecnologias? Conjugando arte, ciência e tecnologia, ao mesmo tempo que se abria um novo horizonte de expectativas de futuro para os mais jovens. Um projecto que tivesse a ver com sangue novo, com sangue na guelra -até por razões simbólicas e pela memória do uso anterior- que celebre a criatividade humana na sua plenitude cultural e social, um local de fusão com uma forte politica de inclusão social, dedicando-se por isso a incluir os jovens “problemáticos”. Deste modo, o ponto de partida seria um diagnóstico concreto (ainda que subjectivo/pessoal): o da existência de um potencial criativo latente (artístico, cientifico e tecnológico) e da necessidade de fornecer meios e recursos que catalisam e aproveitem o talento das pessoas e da juventude em particular; bem como da presença de um público potencial ávido de propostas artísticas e de experiências sensoriais dignas do Séc. XXI.

Foi você que pediu um Guggenheim ?!

O processo de nascimento do Centro Interpretativo das Linhas de Torres Vedras foi e continua a ser nebuloso. Segundo notícia do jornal Badaladas (05/05/2006) o Gabinete de Arquitectura Lema Barros + Castelo Branco formalizou uma oferta do projecto (estudo prévio) à Câmara Municipal de Torres Vedras (CMTV) no dia 13 de Abril de 2006. Logo a seguir, no Badaladas de 23/06/2006, o presidente da Câmara elogia e defende o projecto como sendo «arquitectura de vanguarda», legitimando assim um gosto pessoal tornado oficial.

Em qualquer sitio do planeta, estas generosas ofertas por parte de empresas– neste caso propriedade de uma ex-vereadora da CMTV, que num processo anterior já tinha confundido actividade privada com pública (projecto para o “páteo alfazema”) - são simultaneamente de uma incontornável ternura e de uma coercividade obscena. Por isso mesmo encontram-se penalizadas no Código da Contratação Pública (ajuste directo - Artº 113) as «entidades que tenham executado obras, fornecido bens móveis ou prestado serviços à entidade adjudicante, a título gratuito, no ano económico em curso ou nos dois anos económicos anteriores».

Imagine-se se a moda pega, o que seria se cada arquitecto decidi-se oferecer o seu mais espectacular e pujante projecto com a condição de ser construído? Seriam oportunismos únicos para cada um deles poder exibir-se no céu brilhante da actual arquitectura super-hiper-pós-moderna-e neo-conservadora-talvez. Por outras palavras poderia chamar-se concorrência desleal – sem concurso, sem encomenda, sem júri, sem concorrentes e sem contratação. Para além disso, no programa eleitoral de 2005 do PS do Dr. Carlos Miguel estava previsto um “concurso de ideias internacional”, e não a aceitação da primeira oferta que lhe chegasse do gabinete de arquitectura mais influente na cidade. Neste caso, nem mesmo a entidade ofertante pode evocar desconhecimento. Bem sabemos que se emendou a mão à ultima da hora, convidando outros arquitectos a participarem com projectos seus. Mas nenhum parece ter aceite a ideia, claro! Se a moda pegar mesmo, podem desde já os(as) senhores(as) arquitectos(as) preparar o projecto para o futuro centro interpretativo do Castro Zambujal, e enviar um “press release” para o jornal da sua preferência - com uma imagem virtual 3D - anunciando a graciosa oferta ao edil.

Este modus operandis que consiste em oferecer primeiro uma imagem (do contentor) e pensar no programa museológico (conteúdos) depois, não nos parece que seja a forma mais correcta de desenvolver projectos culturais com visão estratégica e integrada. Cremos no entanto que o projecto de arquitectura terá sido posteriormente revisto em consonância (?). Contudo, segundo Edital do PEPAL (estágios para a administração pública local) de 16 de Maio de 2008, era pedido um estagiário para o sector da cultura com a função de elaborar o programa museológico do referido centro interpretativo. Pelo que ficamos sem saber quando e se houve tal adequação. No que se refere ao projecto de arquitectura e à sua oferta, parece uma evidente oportunidade para se obter visibilidade através de um projecto monumental e espectacular (icónico) financiado com dinheiros públicos.

Esta é sem dúvida uma corrente de arquitectura que ganhou maior expressão nos últimos anos, os chamados arquitectos-estrela consideram que o mais importante é fazer projectos pomposos e visualmente atractivos de modo a competirem no mercado global da arquitectura, designadamente em projectos públicos de Museus e Centros Culturais. Claro que esta situação jogava bem com o auge financeiro tóxico do Capitalismo Neoliberal, mas entretanto, com a crise estrutural da economia e a ruptura com alguns dos paradigmas subjacentes é preciso regressar a um modelo de arquitectura menos icónica, mais económica e sustentável, que gaste menos cimento e materiais de construção, e que seja mais humanizada.

No caso do Centro Interpretativo das Linhas de Torres Vedras, a quantidade de imagens virtuais do projecto disseminadas em jornais e pela Internet deram já um elevado contributo em termos de “branding” e prestígio ao gabinete que as apresentou. Apesar de não nos posicionarmos contra ou a favor do prestígio de quem quer que seja, transparece neste processo uma prioridade dada a interesses privados (a entrada no “star system”, dos “starchitects”) em vez de no interesse público e colectivo em vários âmbitos: sustentabilidade, igualdade de oportunidades, economia e cultura. Assim, e neste processo, as aparências (imagens virtuais) acabaram por ganhar mais relevância e prioridade do que os objectivos fundamentais: preservar e valorizar um património cultural. Note-se que não estamos aqui a discutir a qualidade da arquitectura, mas a forma processual e ausência estratégica de uma visão política que deveria preceder à pressão da mera oferta de um projecto de arquitectura.

Esta questão está também intimamente associada à convicção polémica de que as cidades garantidamente se valorizam, em termos de Marketing Urbano, com este tipo de projectos “Guggenheimizados” induzidos pelo “efeito Bilbao”. É que o mero espectáculo está a tornar-se rapidamente um lugar comum em todo o mundo, logo, aquilo que à partida seria uma vantagem competitiva acaba por desvanecer-se por entre a moda internacional do “franchising cultural” dos museus-marca. Na esteira da proliferação universal dos McDonalds já é possível ir ao Museu do Louvre em Abu Dhabi. E se o Centro Interpretativo fosse um projecto mais integrado na paisagem (horizontal) e menos espectacular? Como por exemplo a escola de hotelaria de Portalegre do arquitecto Souto Mouro. Esta pergunta teria utilidade se existissem outros projectos para comparar, mas não há.

Para concluir, as palavras de entrevista a Juhani Pallasmaa, arquitecto filandês ao "El País", edição de 12 de Agosto de 2006: «La arquitectura actual tiende a ser retiniana, se dirige al ojo. Es narcisista porque enfatiza al arquitecto, al individuo. Y es nihilista porque no refuerza las estructuras culturales, las aniquila. Hoy los mismos arquitectos construyen por todo el mundo y los mismos edificios están en todas partes. Así es difícil que la arquitectura pueda reforzar ninguna cultura.»

O (o)caso do Museu Municipal Leonel Trindade

No programa eleitoral do PS (Autárquicas 2005) pode ler-se «Criar novas dinâmicas e novos públicos para o Museu Municipal Leonel Trindade (MMLT) é um objectivo que nos propomos concretizar no próximo mandato.». Este é o único compromisso apresentado relativamente ao Museu.

Sabendo-se igualmente que desde a sua fundação em 1929 a Missão do MMLT (em regulamento interno aprovado em 1992) é ser um Museu de Arqueologia, História e Pré-História, pergunta-se: haveria legitimidade política para desencadear, sem um amplo debate e consulta pública, uma remodelação/renovação/reformulação ainda hoje em curso no Museu Municipal Leonel Trindade?

Na prática, nem foi alcançado o objectivo proposto pelo PS, e pior, foi desrespeitada a ligação intima e forte que deve existir entre Museu e Comunidade. Esta conexão entre comunidade, memória colectiva, identidade cultural e património (tudo no plural) é a essência daquilo a que chamamos Cultura no seu sentido antropológico mais vasto. A propósito da falta de notoriedade do museu é interessante ver uma reportagem da Torres TV em http://www.torrestv.com/videos/Aqui-Por-Torres-Ep-01.html.

Estamos de acordo com o facto de o MMLT desde há muito precisar de uma avaliação e da subsequente reformulação a vários níveis (programação, públicos, gestão, comunicação, áreas, etc.), no entanto esta reformulação deveria ser acompanhada de uma metodologia onde estivesse naturalmente previsto um período de diagnóstico, de consulta pública e de debate. Só assim se respeitariam as relações estabelecidas entre museu e comunidade, durante precisamente oitenta anos.

Assim, não se nos afigura nem legítimo nem democrático que o executivo eleito em 2005, e com maioria absoluta, tenha decidido unilateralmente implementar um «novo museu municipal» no sítio onde até há pouco tempo era o Museu Municipal Leonel Trindade. Uma certeza elementar é que não é assim que se criam novas dinâmicas e se cativam novos públicos. Antes pelo contrário, é com este tipo de atitudes que se vai criando o fosso entre o público mais fiel, interessado e prescritor, e as instituições culturais que passam a existir num limbo abstracto e sem massa crítica (sem públicos de proximidade) que as promovam e com elas colaborem para o sucesso das suas missões de fundo: serem um serviço público de qualidade que promove e defende um bem público: a Cultura.

Mais paradoxal tudo se torna quando se diz que este «novo museu municipal» tem como modelo o «Museu de Sociedade», onde a prioridade seria naturalmente a comunidade e às suas dinâmicas societais. Discursos e representações à parte, é urgente que se perceba que uma instituição cultural é essencialmente uma plataforma de sociabilidades (de interacção e de produção de sentidos e novas possibilidades), e que essas sociabilidades só são efectivas quando existe um profundo reconhecimento do papel activo derivado da proximidade local e um entendimento do que significa a fidelização dos públicos. E isso não se consegue apenas com recurso a estratégias de marketing clássico e comercial ou de eventos espectaculares episódicos, é fundamental desenhar estratégias de comunicação bidireccional e de comunicação institucional que respeitem e sejam respeitadas. Neste ponto da relação institucional (afectiva, emocional, e cognitiva) é igualmente conhecida a importância e o valor que o MMLT tinha para os inúmeros estudantes e professores de História e de Arqueologia, em Portugal e no estrangeiro. Portanto, nunca seria razoável, nem racional, liquidar (por capricho ?) um Museu com oitenta anos de vida e com uma história personificada no Arqueólogo Leonel Trindade, uma personalidade de referência para Torres Vedras.

Resumindo: 2007 (o imaginário ano do museu) já lá vai, e em véspera de novas eleições autárquicas é possível afirmar que neste mandato, a maioria deste executivo municipal teve o condão de fazer desaparecer um museu, e a desfaçatez de ver chumbado pelo IGESPAR o projecto de qualquer coisa que nós, cidadãos e povo soberano deste território, desconhecemos ainda hoje. É este o respeito que nós cidadãos (e não súbditos) merecemos dos eleitos?
Em vez de um Museu temos hoje uma “exposição temporária” – que de temporária nada tem, pois prolonga-se por onze meses. E que só seria “temporária” se existisse uma exposição permanente, por oposição.

As arbitrariedades museológicas do “Fontismo” local

Os políticos continuam viciados em betão, em obras cujas derrapagens financeiras – diz o Tribunal de Contas - demonstram o estado desbordado a que chegou o vício. Isto é um problema, um outro é a insistência numa fúria construtora insustentável. Insustentável porque para além do custo das infra-estruturas físicas, os equipamentos construídos precisam continuamente de outros recursos para assegurar o seu funcionamento regular de manutenção.

Esta vicissitude agrava-se como sabemos em período eleitoral. Entre si os candidatos oponentes, salvo raras excepções, armam-se de betão, alcatrão, itinerários complementares, rotundas, etc. A ver quem fez mais “obra” por metro quadrado, como se a política e os territórios fossem um palco para a construção civil e as grandes empreitadas.

Um pouco por todo o país tem-se construído e renovado equipamentos culturais sem que depois se verifiquem os efeitos esperados ao nível do desenvolvimento sociocultural (aprofundamento da cidadania, dotar os agentes artísticos e as estruturas de produção com instrumentos teóricos e de análise que tornem mais eficaz a sua gestão, desenvolvimento de públicos, democratização do acesso à cultura, etc.) objectivo essencial das políticas que promoveram inicialmente a existência destes espaços.

Contudo, no que respeita às competências internas de gestão, comunicação, programação e produção dos equipamentos, não se verificaram desenvolvimentos significativos. Levando-nos a colocar a seguinte questão: se não se consegue que os equipamentos existentes funcionem com a qualidade e o nível de exigência que devem ter os serviços públicos, de que serve construir mais equipamentos? Afinal, qual o significado de se abusar do cimento (mais equipamentos) se este não é acompanhado das competências de gestão cultural que lhe confere sentido(s) ?

Em Torres Vedras há dois exemplos flagrantes: o Teatro-Cine e a Galeria Municipal, que desde 2003 (data em iniciaram funções) ainda não tiveram tempo de equacionar e desenvolver um plano de comunicação global para um serviço público de cultura exemplar, que contemple principalmente os públicos potenciais dos segmentos sociais mais vulneráveis. Não tiveram tempo de se auto-regulamentarem, de desenvolverem projectos e programações culturais regulares numa perspectiva de contemporaneidade e com a reflexão crítica que se exige ao campo cultural actual, na sua relação com um desígnio cultural tendo por base o contexto concreto da realidade sociocultural. Focadas no desenvolvimento de ideias que se transformem em fios condutores de programações coesas, suculentas, complexas, abrangentes, híbridas, inquietas, provocadoras de novas conexões e associações mentais produtivas e produtoras de múltiplos discursos e de identificações.

Fica-se com a sensação de que os equipamentos culturais estão presos a uma atitude de “oferta cultural” neutra e suave, sem a preocupação com o estimulo de novas procuras, outros consumos e práticas diversificadas que contribuam de forma consistente para o desenvolvimento cultural da cidade/concelho e dos diversos públicos-alvo.

Ressalvando que, em minha opinião, tal situação se deve antes de mais a uma ausência de política cultural e a uma tendência paternalista de tutela que (ainda) entende a cultura como flor na lapela. Mas já vai sendo tempo de retirar definitivamente a lapela da flor, deixando-a livremente crescer em solos mais apropriados. Pois, há que ter em consideração um princípio “sagrado” em políticas culturais democráticas: o Estado, seja em que nível for (nacional, regional ou local), não pode ser produtor de cultura. Como refere o sociólogo António Teixeira Fernandes, “o Estado ideológico, com vocação autoritária, e sobretudo totalitária, esse apresenta-se decididamente como produtor cultural. Um Estado que, por si mesmo, produz cultura é um Estado partidário, produtor de uma cultura sectária. Em causa está uma concepção de democracia e dos domínios que devem estar ao abrigo de regulações espúrias.” ( AAVV, Públicos da Cultura, Observatório das Actividades Culturais, Maio 2004).

Foi você que pediu um Guggenheim ?!


Museu Guggenheim, Bilbao


Edifício do futuro centro museológico das Linhas de Torres, Torres Vedras
(fonte: Jornal Badaladas, 4 Janeiro 2008)



Uma pergunta

Qual é o estatuto ontológico, o estatuto de ser e de sentido das artes na cidade de hoje?

Dito de outra forma, qual a importância e a valorização conferida à criação artística nos "estados de alma" vividos individual e colectivamente nas cidades? De que modo a sua densidade e intensidade são fulcrais para uma vida pública resplandecente?

Equipamentos são meios, não fins.

Os equipamentos culturais (em si mesmos) não podem ser tidos como fins a atingir, mas apenas enquanto meios para...
Assim, não faz sentido iniciar uma acção política estratégica pela construção de um qualquer novo equipamento, um Centro de Arte Contemporânea, por exemplo.
Tal como não fará sentido desenvolver uma política de educação ancorada na ideia de construir escolas (edifícios). Os edifícios (escolas) são apenas um dos elementos da política educativa.
Ou seja, a construção de equipamentos ganha sentido se for entendida enquanto medida (opção, estratégia, ferramenta, instrumento, acção,...) que visa concretizar determinado objectivo, e por essa via também responder a uma missão ou finalidade, devidamente suportada por uma análise prévia.
E deve ter em consideração a sua sustentabilidade e uma avaliação de custos/benefícios.

Citando Paola de Biase

«O problema consiste em reconhecer que, se o reforço da liberdade e das possibilidades de iniciativa é o principal objectivo a atingir, tal objectivo jamais é o produto miraculoso do laisser-faire. A cultura é obra de indivíduos e de grupos em condições de agir e comunicar com eficácia, não é uma missão pública. Todavia, o apoio público é essencial para criar condições e asegurar meios que permitam que a comunicação recíproca entre os sujeitos se realize sem desequilibrios, segundo a lógica própria da comunicação cultural, e não segundo lógicas como a da publicidade e do mercado. Pluralidade de níveis de responsabilidade institucional das políticas culturais e pluralidade dos sujeitos não institucionais em acção neste domínio são as duas condições essenciais paras as políticas de cultura».

Urge uma revolução cidadã

«O Estado deverá ser parte da solução, mas só depois de profundamente democratizado e livre dos lóbis e da corrupção que hoje o controlam. Urge uma revolução cidadã que, assente numa sábia combinação entre democracia representativa e democracia participativa, permita criar mecanismos efectivos de controlo democrático, tanto da política como da economia.»

Boaventura Sousa Santos

(fonte: revista Visão, 2009)

Menos Hardware e Mais Software

Afinal, qual o significado de se abusar do cimento (hardware) se este não é acompanhado da massa cizenta (software) que lhe confere sentido(s) ?

As arbitrariedades museológicas do fontismo local (Parte 1)

Colocar a cultura a reboque de uma fúria construtura (construção civil) é uma das consequências da visão política em geral que grassa por Portugal. Um pouco por todo o país tem-se construído e renovado equipamentos culturais sem que depois se verifiquem os efeitos esperados ao nível do desenvolvimento dos sistemas socioculturais, objectivo essencial das políticas que promoveram a preocupação com a existência destes espaços.

Mas, mais grave é que nem sequer ao nível institucional interno (gestão, comunicação, programação, produção) se verificaram desenvolvimentos significativos. Levando-nos a colocar a seguinte questão: se não se consegue que os equipamentos existentes funcionem com a qualidade e o nível de exigência que devem ter os serviços públicos, para que serve construir mais equipamentos ?

Em Torres Vedras há dois exemplos flagrantes: o Teatro-Cine e a Galeria Municipal, que desde 2003 (data em iniciaram funções) ainda não tiveram tempo de equacionar e desenvolver um plano de comunicação digno de um serviço público de cultura que contemple principalmente os públicos potenciais dos segmentos sociais mais vulneráveis. Não tiveram tempo de se auto-regulamentarem, de desenvolverem projectos e programações marcantes numa perspectiva de contemporaneidade e de reflexão crítica que se exige ao campo cultural. Resumindo, ambos os referidos equipamentos vêm-se acomodando a uma atitude pequeno-burguesa de “oferta cultural”. Ressalvando que, em minha opinião, tal situação se deve antes de mais a uma ausência de política cultural e a uma tendência paternalista de tutela que (ainda) entende a cultura como flor na lapela. Já vai sendo tempo de retirar definitivamente a lapela da flor, deixando-a livremente crescer em solos mais apropriados.

Numa abordagem comparativa não custava muito aos referidos espaços culturais olharem para o trabalho e para as boas práticas emanadas da Biblioteca e do Arquivo Municipal. A começar pela transparência e pela informação institucional que disponibilizam em linha.

Há um princípio “sagrado” em políticas culturais democráticas: o Estado, seja em que nível for (nacional, regional ou local), não pode ser produtor de cultura. Como refere o sociólogo António Teixeira Fernandes, “ o Estado ideológico, com vocação autoritária, e sobretudo totalitária, esse apresenta-se decididamente como produtor Cultural. Um estado que, por si mesmo, produz cultura é um Estado partidário, produtor de uma cultura sectária. Em causa está uma concepção de democracia e dos domínios que devem estar ao abrigo de regulações espúrias.” (In, Públicos da Cultura, Observatório das Actividades Culturais, Maio 2004). (continua)

PRINCÍPIOS ORIENTADORES DE UMA POLÍTICA MUNICIPAL

Boa Governância: participação, cidadania, empowerment (os cidadãos, e em especial os mais vulneráveis , devem participar na definição dos problemas que os afectam e na proposta de soluções, gestão e avaliação de programas e projectos:
- Democracia participativa
- Participação efectiva e não pseudo-participação
- Planeamento colaborativo
- Orçamento participativo
- Do conflito ao consenso, e não o consenso fraco-falsificado

Transparência, informação e comunicação bidireccional (interactiva) em todos os assuntos e sectores (talvez exija a criação de um gabinete específico).
Todos os Planos, Programas e Projectos devem ser comunicados e ter um versão disponível a todos online. Pois a informação pública desta natureza não pode ser considerada informação secreta.

Novo paradigma de desenvolvimento sustentável : 4 dimensões e não 3 (Cultura, Social, Economia, Ambiente)

Reforço da inovação social e institucional: mais e melhor relação com os públicos/utentes; identificação de obstáculos à participação/fruição/uso

O poder do medo ou o poder da confiança ?

Depois de uma temporada juvenil idílica, comecei a observar melhor as relações de poder existentes na cidade. Na verdade desde sempre tentei evitar acreditar no dado empírico da teoria sociológica (explícita em diversos estudos sobre realidades locais), que evidencia a existência de uma capacidade de pressão do poder executivo municipal sobre o tecido associativo, através de uma lógica de tutela que tende a manter as associações «numa direcção rotineira e conformista» (Silva:132)1.

E, não queria acreditar porque remetia esse tipo de relações «marcadas pelo jogo entre entre a lealdade e o subsídio» (idem) para uma forma antiga e desactualizada do agir político. Contudo ainda hoje (em 2009), alguns dirigentes e ex-dirigentes associativos me lembram repetidamente que o conformismo e a fraca independência são o preço a pagar por quem recebe apoios ou financiamentos públicos municipais. Como se essa situação fosse um eterno e transcendente status quo.

Este é um daqueles fenómenos sociais fortemente incrustados nas realidades locais. O problema de fundo é a lenta domesticação da sociedade civil pelo poder administrativo/executivo, cujo efeito se reflecte na anestesia social e numa vivência urbana abaixo das potencialidades efectivas dos actores sociais.

Por outro lado, este assunto quase-tabu tem outras dimensões, podendo-se mesmo afirmar que de um modo geral os portugueses têm «muito ou algum receio em de exprimir publicamente uma opinião contrária à das autoridades políticas» (Cabral:17)2.

A violência simbólica é uma forma de dominação invisível e quase inconsciente. Como uma espécie de vírus que se incorpora lentamente nos corpos sociais e individuais, levando-os à auto-censura. O que significa que é antes mesmo de agirem que os agentes sociais já estão inoculados por uma ideologia pré-estabelecida. Esta forma de violência silenciosa é o que torna possível o consenso prévio sem discussão construtiva, e uma ordem social congelada nas suas habituais hierarquias de dominação. Historicamente sabe-se que o Estado sempre instrumentalizou a Cultura para uniformizar e controlar os povos. O auge desta manipulação dá-se com os Totalitarismos do século 20.

Desde há algum anos que comecei a vislumbrar a existência factual deste “poder do medo”, entre aspas porque o uso da palavra “medo” é muito relativo, podendo significar concordância, subserviência, expectativas de emprego, inépcia, obediência, lealdade, inércia, ignorância, etc.

Vejamos alguns casos ocorridos nos últimos anos, e que em minha opinião revelam esta tradição “maniqueísta”:

i) Como foi possível que durante as eleições de 2005, o então candidato à presidência da câmara municipal pelo PS tenha “forçado” e aceite que dois dirigentes de uma instituição cultural de direito privado (da qual era ou fora presidente da assembleia geral) gravassem um vídeo de apoio à sua candidatura no interior da sede daquela instituição? Criando deste modo um incidente grave no interior da mesma, gerando desconfianças e mal entendidos. Pois nenhum associado pode aceitar de ânimo leve que a direcção da organização a que pertence assuma favoritismos partidários ou religiosos (conforme regulamento estatutário). Qualquer estagiário em advocacia sabe isto, e sabe que é abuso de poder e instrumentalização de organizações sociais para fins individuais e alheios à sua missão. Alguém se manifestou publicamente contra tal instrumentalização politico-partidária para fins eleitoralistas?

Que leitura se pode fazer do silêncio geral e da ausência de opinião pública crítica (e publicada) em torno de questões culturais? Será que não há matéria, temas ou problemáticas públicas relevantes?

ii) O Museu Municipal Leonel Trindade mergulhou numa espiral de incongruência, sem que se saiba actualmente qual a sua vocação museológica. Por respeito à figura tutelar do arqueólogo e homem de cultura que foi Leonel Trindade, ninguém tem nada a dizer, nada a perguntar? Estranho, e grave...

iii) Enquanto vereador da cultura, o actual presidente da câmara pretendeu fazer programação de cinema no Teatro-Cine, anunciando-se essa mesma tarefa publicamente no website da autarquia. Essa motivação anti-constitucional (o Estado não pode programar a cultura) foi criticada por algum dirigente associativo da área da cultura?










iv) Um gabinete de arquitectura propriedade de uma ex-vereadora do urbanismo oferece, num acto de generosidade sem precedentes, um projecto de arquitectura para um “Centro Interpretativo das Linhas de Torres”. Alguém se pergunta qual o programa museológico que fundamenta a existência do mesmo? Que funções estão afectas a que áreas funcionais? E que visão estratégica existe para o património cultural material e imaterial do concelho: arqueológico, industrial, edificado, paisagístico, sonoro, etc.? Algum arquitecto veio a público contestar a forma pouco ortodoxa como o edil aceitou e aprovou a oferenda, contrariando a promessa eleitoral de promover um concurso internacional?

No meu entender este silêncio civil relativo a problemáticas públicas de dimensão social, ou esta ausência de intervenção crítica pública não é compatível com a necessária responsabilidade colectiva por parte dos cidadãos ou de grupos de cidadãos, e particularmente daqueles que são os interessados nas matérias em causa.

Um dos efeitos a longo prazo desta passividade acaba por ser o fortalecimento de uma postura conservadora que privilegia a existência de um poder local paternalista, e de um «recalcamento da participação dos cidadãos nos assuntos da coisa pública» (Ribeiro:188).

Este fenómeno de controle social atinge, por vezes, os indivíduos marcados pela mão invisível do poder, chegando-se ao extremo de impedir pessoas de colaborarem com as instituições públicas. Instituições que, note-se, são dos cidadãos da república (res-publica, coisa pública) e não propriedade dos partidos ou de uma qualquer monarquia imaginária.

Será que ainda vivemos numa idade das trevas? ....num obscurantismo tribal? Em que o chefe manda e o povo silenciosamente obedece? Numa aldeia perdida no tempo, em que a solidariedade é falsificada pelo silêncio do pensamento único?

Seja qual for a resposta, uma coisa é certa, a Cultura sempre foi uma capacidade de criar imaginários, de reinvenção colectiva e individual, de libertação de padrões e ideias consensuais, de auto-consciência e autonomia responsável. O problema é que nada disto é “natural” e dado como facto garantido à nascença, basta observar a História universal, as ditaduras, as revoluções, as lutas de classe ou a luta pelos direitos humanos.

Desde a antiga Grécia, os cidadãos só optaram por escolher a cidade e a justiça porque preferiram estar sob a alçada das leis e do direito, em vez de sob a violência do todos contra todos ou da vontade absolutista do soberano. A partir desse momento, a cidade é uma construção activa dos cidadãos, e não uma abstracção gerida por uma Câmara Municipal.

Uma cidade é um organismo vivo, repleta de diversas formas de vida humana e animal, de idosos e de crianças, de brancos e negros e amarelos, de corujas e de árvores. E não um traçado de vias áridas perpendiculares por onde circulam autómatos e veículos poluidores.

Na verdade, outro mundo é possível. Outra cidade e outra realidade social só são possíveis se houver uma liderança política que fomente a confiança e a cidadania, exerça a transparência e limite o uso do poder à esfera pública da democracia.

O poder da confiança é o poder que cria as condições para que todas as pessoas possam «participar livremente da vida cultural da comunidade» (Artº 27 – Declaração dos Direitos humanos). O poder da confiança gera abertura à diferença, gera vontade de participar na vida social sem receio de beliscar as ideias e as problemáticas “oficiais” da cidade, que por sinal têm sido escassas e pouco têm contribuído para um futuro mais vibrante e profundamente humano ao qual todos nós aspiramos.

É que, sejamos sinceros, há formas de fazer política perfeitamente ultrapassadas.

E, como bem se sabe, as aparências iludem.


1SILVA, Augusto Santos (2000). Cultura e Desenvolvimento:Estudos sobre a Relação entre Ser e Agir. Oeiras. Celta Editora.

2CABRAL, Manuel Villaverde (2001). Democracia e Participação Política. Em revista Con(m)textos de Sociologia nº1, p. 13-17. Associação Portuguesa de Sociologia.

Políticas Culturais

A existência de políticas culturais deve-se essencialmente ao facto de se considerar a “cultura” como um bem público ou um capital (um valor) que deve ser cuidado pelo colectivo social, e sob a sua estrutura política que é o Estado democrático. Assim, uma politica cultural será uma função da administração pública cuja competência essencial é a de cuidar da cultura. Tal como uma política ambiental serve para cuidar do ambiente.

Nalguns casos esta função é óbvia, pois quem mais poderia proteger o património cultural senão o Estado? O grande desafio é então o de delimitar o significado de “cultura”, qual o seu âmbito? Quais as suas dimensões integrantes? Que relações estabelece com a cidade, com o poder político e com os cidadãos?

Cultura, cidade e sociedade são dimensões em constante interdependência. Não há cidade, nem sociedade sem cultura(s) - sempre no plural.

Uma das ambiguidades inerentes ao termo “política cultural” é poder pensar-se que equivale a uma administração da cultura, no sentido em que se produz e administra um determinado bem. Por isso, não podemos deixar de sublinhar que a administração pública, o Estado, ou qualquer forma de governo político-administrativo não produz, nem deve produzir cultura. Pode e deve apenas operar estrategicamente nas outras esferas que não as da produção (criação): distribuição, acesso, democratização, legislação, salvaguarda, desenvolvimento, sustentabilidade, etc.

Isto significa que só com um forte pensamento estratégico se pode e deve encarar a dimensão cultural da política e da cidade. Ou seja, medidas avulsas e euforias pessoais não chegam para elaborar uma política cultural.

Nenhuma política cultural se desenvolve no vazio, nem a partir do vazio. As cidades têm um passado, um presente e um futuro, têm ideias, têm imaginários, têm pessoas e grupos com identidades culturais variadas. As cidades são isso mesmo, a materialização das ideias ao longo do tempo, em ambientes mais ou menos criativos. Assim se afirma que as cidades são um produto das suas culturas (sempre no plural: culturas), do debate das suas ideias e dos seus valores humanos.

Bem Vindos

Olá,

Este blogue foi criado com a intenção de dinamizar o debate público em torno das Políticas Culturais em Torres Vedras.

Enquanto candidato independente pela CDU às eleições autárquicas de 2009, farei deste espaço um suporte de comunicação de ideias, de críticas, de iniciativas e de propostas em torno de uma estratégia cultural para Torres Vedras.

Embora não sendo um blogue neutro (se tal existir), apelamos à participação de todos os interessados em contribuir para um objectivo comum: a definição de um serviço público de cultura promotor de um desenvolvimento cultural sustentável !