Torres TV - reportagem sobre o Museu Municipal Leonel Trindade


- Sabe onde é Museu Municipal Leonel Trindade? Já o visitou ? ...veja as respostas!

O Centro de Artes do Carnaval

Retomando a linha cronológica: a ideia de um «Museu do Carnaval» estava já consignada no Plano Estratégico da Cidade – 1994 (PEC). O problema é que o PEC no seu horizonte temporal se encontra já desactualizado não tendo sido entretanto revisto e já lá vão quinze anos. Aliás nenhuma das acções propostas para o sector cultural foi executada, porquê agora o Museu do Carnaval?

Quem aceitaria hoje o lema inscrito no PEC que nos remete para uma “Torres Vedras cidade da alegria e da boa disposição”? Para além de ser difícil confirmar esta proposição no quotidiano actual da cidade e por diversas razões, o exercício faz parte de um pensamento já obsoleto, porque visa a criação de cidades monotemáticas: cidade das artes, cidade da alegria, cidade do humor, etc. Desde 1994, o próprio Carnaval em si mesmo veio paulatinamente sofrendo alterações e é hoje muito mais um produto turístico e mediático, do que propriamente uma apropriação da cultura popular, se é que alguma vez o foi.

Este processo de objectitificação da cultura e da memória colectivas, isto é a transformação da cultura em mercadoria de consumo imediato (equiparável portanto à famosa Chiclete), coincide com políticas (despolitizadas) instruídas no sentido de desviar as comunidades, os grupos, ou os indivíduos dos efeitos emancipatórios das práticas carnavalescas ancoradas numa imagem do mundo ao avesso – onde, entre outros aspectos, o rei do entrudo toma o lugar do presidente da câmara eleito, e durante alguns dias deixam os cidadãos de estar simbolicamente sujeitos à lei oficial, abrindo assim uma brecha temporal subversiva face ao poder político local.

Mais concretamente, o que aconteceu e continua a acontecer (veja-se o episódio ridiculamente estranho e lúgubre do “caso magalhães” no último Carnaval) é a valorização e a procura de uma visibilidade externa a todo o custo e encenada, em detrimento de um protagonismo sustentável e de uma activação endógena (e não mera instrumentalização) dos diversos actores sociais e em especial das organizações colectivas. Não será urgente e primordial reflectir-mos primeiro sobre o Carnaval que temos e o que queremos? Porque não criar no Museu Municipal Leonel Trindade um núcleo sobre o Carnaval, em vez de criar um novo equipamento dedicado exclusivamente a um evento turístico-mediático?

O que está em causa na requalificação do antigo Matadouro e da sua transformação em Centro de Artes do Carnaval, integrado no âmbito do programa POLIS, é haver uma decisão política condicionada por um documento fora de prazo (PEC,1994). Deste modo, estamos a construir um futuro que nasce contaminado pela falta de actualização de um projecto de cidade, designadamente quanto à sua dimensão cultural e simbólica. Qual a pertinência de um Centro de Artes do Carnaval? Quem estará interessado a criar ou a expressar-se artisticamente sob os auspícios de um carnaval hegemónico, mercantilizado, controlado pelas rédeas de “turismo cultural” (da geração de receitas directas e induzidas através dos efeitos multiplicadores sobre outros sectores económicos ? ). Os inocentes alunos das escolas que serão obrigados vezes sem conta a carnavalizar-se (ainda mais) desde crianças, numa lógica de dominação simbólica, de reprodução cultural e colonização mental de um evento espúrio ? Qual o significado global de tudo isto se não houver rapidamente uma re-apropriação popular e heterodoxa do Carnaval?

Outra hipótese: e se a proposta para o matadouro fosse um outro tipo de equipamento, com uma ênfase laboratorial que permitisse o desenvolvimento da fileira das artes tecnológicas, da formação científica e da experimentação em novas tecnologias? Conjugando arte, ciência e tecnologia, ao mesmo tempo que se abria um novo horizonte de expectativas de futuro para os mais jovens. Um projecto que tivesse a ver com sangue novo, com sangue na guelra -até por razões simbólicas e pela memória do uso anterior- que celebre a criatividade humana na sua plenitude cultural e social, um local de fusão com uma forte politica de inclusão social, dedicando-se por isso a incluir os jovens “problemáticos”. Deste modo, o ponto de partida seria um diagnóstico concreto (ainda que subjectivo/pessoal): o da existência de um potencial criativo latente (artístico, cientifico e tecnológico) e da necessidade de fornecer meios e recursos que catalisam e aproveitem o talento das pessoas e da juventude em particular; bem como da presença de um público potencial ávido de propostas artísticas e de experiências sensoriais dignas do Séc. XXI.

Foi você que pediu um Guggenheim ?!

O processo de nascimento do Centro Interpretativo das Linhas de Torres Vedras foi e continua a ser nebuloso. Segundo notícia do jornal Badaladas (05/05/2006) o Gabinete de Arquitectura Lema Barros + Castelo Branco formalizou uma oferta do projecto (estudo prévio) à Câmara Municipal de Torres Vedras (CMTV) no dia 13 de Abril de 2006. Logo a seguir, no Badaladas de 23/06/2006, o presidente da Câmara elogia e defende o projecto como sendo «arquitectura de vanguarda», legitimando assim um gosto pessoal tornado oficial.

Em qualquer sitio do planeta, estas generosas ofertas por parte de empresas– neste caso propriedade de uma ex-vereadora da CMTV, que num processo anterior já tinha confundido actividade privada com pública (projecto para o “páteo alfazema”) - são simultaneamente de uma incontornável ternura e de uma coercividade obscena. Por isso mesmo encontram-se penalizadas no Código da Contratação Pública (ajuste directo - Artº 113) as «entidades que tenham executado obras, fornecido bens móveis ou prestado serviços à entidade adjudicante, a título gratuito, no ano económico em curso ou nos dois anos económicos anteriores».

Imagine-se se a moda pega, o que seria se cada arquitecto decidi-se oferecer o seu mais espectacular e pujante projecto com a condição de ser construído? Seriam oportunismos únicos para cada um deles poder exibir-se no céu brilhante da actual arquitectura super-hiper-pós-moderna-e neo-conservadora-talvez. Por outras palavras poderia chamar-se concorrência desleal – sem concurso, sem encomenda, sem júri, sem concorrentes e sem contratação. Para além disso, no programa eleitoral de 2005 do PS do Dr. Carlos Miguel estava previsto um “concurso de ideias internacional”, e não a aceitação da primeira oferta que lhe chegasse do gabinete de arquitectura mais influente na cidade. Neste caso, nem mesmo a entidade ofertante pode evocar desconhecimento. Bem sabemos que se emendou a mão à ultima da hora, convidando outros arquitectos a participarem com projectos seus. Mas nenhum parece ter aceite a ideia, claro! Se a moda pegar mesmo, podem desde já os(as) senhores(as) arquitectos(as) preparar o projecto para o futuro centro interpretativo do Castro Zambujal, e enviar um “press release” para o jornal da sua preferência - com uma imagem virtual 3D - anunciando a graciosa oferta ao edil.

Este modus operandis que consiste em oferecer primeiro uma imagem (do contentor) e pensar no programa museológico (conteúdos) depois, não nos parece que seja a forma mais correcta de desenvolver projectos culturais com visão estratégica e integrada. Cremos no entanto que o projecto de arquitectura terá sido posteriormente revisto em consonância (?). Contudo, segundo Edital do PEPAL (estágios para a administração pública local) de 16 de Maio de 2008, era pedido um estagiário para o sector da cultura com a função de elaborar o programa museológico do referido centro interpretativo. Pelo que ficamos sem saber quando e se houve tal adequação. No que se refere ao projecto de arquitectura e à sua oferta, parece uma evidente oportunidade para se obter visibilidade através de um projecto monumental e espectacular (icónico) financiado com dinheiros públicos.

Esta é sem dúvida uma corrente de arquitectura que ganhou maior expressão nos últimos anos, os chamados arquitectos-estrela consideram que o mais importante é fazer projectos pomposos e visualmente atractivos de modo a competirem no mercado global da arquitectura, designadamente em projectos públicos de Museus e Centros Culturais. Claro que esta situação jogava bem com o auge financeiro tóxico do Capitalismo Neoliberal, mas entretanto, com a crise estrutural da economia e a ruptura com alguns dos paradigmas subjacentes é preciso regressar a um modelo de arquitectura menos icónica, mais económica e sustentável, que gaste menos cimento e materiais de construção, e que seja mais humanizada.

No caso do Centro Interpretativo das Linhas de Torres Vedras, a quantidade de imagens virtuais do projecto disseminadas em jornais e pela Internet deram já um elevado contributo em termos de “branding” e prestígio ao gabinete que as apresentou. Apesar de não nos posicionarmos contra ou a favor do prestígio de quem quer que seja, transparece neste processo uma prioridade dada a interesses privados (a entrada no “star system”, dos “starchitects”) em vez de no interesse público e colectivo em vários âmbitos: sustentabilidade, igualdade de oportunidades, economia e cultura. Assim, e neste processo, as aparências (imagens virtuais) acabaram por ganhar mais relevância e prioridade do que os objectivos fundamentais: preservar e valorizar um património cultural. Note-se que não estamos aqui a discutir a qualidade da arquitectura, mas a forma processual e ausência estratégica de uma visão política que deveria preceder à pressão da mera oferta de um projecto de arquitectura.

Esta questão está também intimamente associada à convicção polémica de que as cidades garantidamente se valorizam, em termos de Marketing Urbano, com este tipo de projectos “Guggenheimizados” induzidos pelo “efeito Bilbao”. É que o mero espectáculo está a tornar-se rapidamente um lugar comum em todo o mundo, logo, aquilo que à partida seria uma vantagem competitiva acaba por desvanecer-se por entre a moda internacional do “franchising cultural” dos museus-marca. Na esteira da proliferação universal dos McDonalds já é possível ir ao Museu do Louvre em Abu Dhabi. E se o Centro Interpretativo fosse um projecto mais integrado na paisagem (horizontal) e menos espectacular? Como por exemplo a escola de hotelaria de Portalegre do arquitecto Souto Mouro. Esta pergunta teria utilidade se existissem outros projectos para comparar, mas não há.

Para concluir, as palavras de entrevista a Juhani Pallasmaa, arquitecto filandês ao "El País", edição de 12 de Agosto de 2006: «La arquitectura actual tiende a ser retiniana, se dirige al ojo. Es narcisista porque enfatiza al arquitecto, al individuo. Y es nihilista porque no refuerza las estructuras culturales, las aniquila. Hoy los mismos arquitectos construyen por todo el mundo y los mismos edificios están en todas partes. Así es difícil que la arquitectura pueda reforzar ninguna cultura.»

O (o)caso do Museu Municipal Leonel Trindade

No programa eleitoral do PS (Autárquicas 2005) pode ler-se «Criar novas dinâmicas e novos públicos para o Museu Municipal Leonel Trindade (MMLT) é um objectivo que nos propomos concretizar no próximo mandato.». Este é o único compromisso apresentado relativamente ao Museu.

Sabendo-se igualmente que desde a sua fundação em 1929 a Missão do MMLT (em regulamento interno aprovado em 1992) é ser um Museu de Arqueologia, História e Pré-História, pergunta-se: haveria legitimidade política para desencadear, sem um amplo debate e consulta pública, uma remodelação/renovação/reformulação ainda hoje em curso no Museu Municipal Leonel Trindade?

Na prática, nem foi alcançado o objectivo proposto pelo PS, e pior, foi desrespeitada a ligação intima e forte que deve existir entre Museu e Comunidade. Esta conexão entre comunidade, memória colectiva, identidade cultural e património (tudo no plural) é a essência daquilo a que chamamos Cultura no seu sentido antropológico mais vasto. A propósito da falta de notoriedade do museu é interessante ver uma reportagem da Torres TV em http://www.torrestv.com/videos/Aqui-Por-Torres-Ep-01.html.

Estamos de acordo com o facto de o MMLT desde há muito precisar de uma avaliação e da subsequente reformulação a vários níveis (programação, públicos, gestão, comunicação, áreas, etc.), no entanto esta reformulação deveria ser acompanhada de uma metodologia onde estivesse naturalmente previsto um período de diagnóstico, de consulta pública e de debate. Só assim se respeitariam as relações estabelecidas entre museu e comunidade, durante precisamente oitenta anos.

Assim, não se nos afigura nem legítimo nem democrático que o executivo eleito em 2005, e com maioria absoluta, tenha decidido unilateralmente implementar um «novo museu municipal» no sítio onde até há pouco tempo era o Museu Municipal Leonel Trindade. Uma certeza elementar é que não é assim que se criam novas dinâmicas e se cativam novos públicos. Antes pelo contrário, é com este tipo de atitudes que se vai criando o fosso entre o público mais fiel, interessado e prescritor, e as instituições culturais que passam a existir num limbo abstracto e sem massa crítica (sem públicos de proximidade) que as promovam e com elas colaborem para o sucesso das suas missões de fundo: serem um serviço público de qualidade que promove e defende um bem público: a Cultura.

Mais paradoxal tudo se torna quando se diz que este «novo museu municipal» tem como modelo o «Museu de Sociedade», onde a prioridade seria naturalmente a comunidade e às suas dinâmicas societais. Discursos e representações à parte, é urgente que se perceba que uma instituição cultural é essencialmente uma plataforma de sociabilidades (de interacção e de produção de sentidos e novas possibilidades), e que essas sociabilidades só são efectivas quando existe um profundo reconhecimento do papel activo derivado da proximidade local e um entendimento do que significa a fidelização dos públicos. E isso não se consegue apenas com recurso a estratégias de marketing clássico e comercial ou de eventos espectaculares episódicos, é fundamental desenhar estratégias de comunicação bidireccional e de comunicação institucional que respeitem e sejam respeitadas. Neste ponto da relação institucional (afectiva, emocional, e cognitiva) é igualmente conhecida a importância e o valor que o MMLT tinha para os inúmeros estudantes e professores de História e de Arqueologia, em Portugal e no estrangeiro. Portanto, nunca seria razoável, nem racional, liquidar (por capricho ?) um Museu com oitenta anos de vida e com uma história personificada no Arqueólogo Leonel Trindade, uma personalidade de referência para Torres Vedras.

Resumindo: 2007 (o imaginário ano do museu) já lá vai, e em véspera de novas eleições autárquicas é possível afirmar que neste mandato, a maioria deste executivo municipal teve o condão de fazer desaparecer um museu, e a desfaçatez de ver chumbado pelo IGESPAR o projecto de qualquer coisa que nós, cidadãos e povo soberano deste território, desconhecemos ainda hoje. É este o respeito que nós cidadãos (e não súbditos) merecemos dos eleitos?
Em vez de um Museu temos hoje uma “exposição temporária” – que de temporária nada tem, pois prolonga-se por onze meses. E que só seria “temporária” se existisse uma exposição permanente, por oposição.

As arbitrariedades museológicas do “Fontismo” local

Os políticos continuam viciados em betão, em obras cujas derrapagens financeiras – diz o Tribunal de Contas - demonstram o estado desbordado a que chegou o vício. Isto é um problema, um outro é a insistência numa fúria construtora insustentável. Insustentável porque para além do custo das infra-estruturas físicas, os equipamentos construídos precisam continuamente de outros recursos para assegurar o seu funcionamento regular de manutenção.

Esta vicissitude agrava-se como sabemos em período eleitoral. Entre si os candidatos oponentes, salvo raras excepções, armam-se de betão, alcatrão, itinerários complementares, rotundas, etc. A ver quem fez mais “obra” por metro quadrado, como se a política e os territórios fossem um palco para a construção civil e as grandes empreitadas.

Um pouco por todo o país tem-se construído e renovado equipamentos culturais sem que depois se verifiquem os efeitos esperados ao nível do desenvolvimento sociocultural (aprofundamento da cidadania, dotar os agentes artísticos e as estruturas de produção com instrumentos teóricos e de análise que tornem mais eficaz a sua gestão, desenvolvimento de públicos, democratização do acesso à cultura, etc.) objectivo essencial das políticas que promoveram inicialmente a existência destes espaços.

Contudo, no que respeita às competências internas de gestão, comunicação, programação e produção dos equipamentos, não se verificaram desenvolvimentos significativos. Levando-nos a colocar a seguinte questão: se não se consegue que os equipamentos existentes funcionem com a qualidade e o nível de exigência que devem ter os serviços públicos, de que serve construir mais equipamentos? Afinal, qual o significado de se abusar do cimento (mais equipamentos) se este não é acompanhado das competências de gestão cultural que lhe confere sentido(s) ?

Em Torres Vedras há dois exemplos flagrantes: o Teatro-Cine e a Galeria Municipal, que desde 2003 (data em iniciaram funções) ainda não tiveram tempo de equacionar e desenvolver um plano de comunicação global para um serviço público de cultura exemplar, que contemple principalmente os públicos potenciais dos segmentos sociais mais vulneráveis. Não tiveram tempo de se auto-regulamentarem, de desenvolverem projectos e programações culturais regulares numa perspectiva de contemporaneidade e com a reflexão crítica que se exige ao campo cultural actual, na sua relação com um desígnio cultural tendo por base o contexto concreto da realidade sociocultural. Focadas no desenvolvimento de ideias que se transformem em fios condutores de programações coesas, suculentas, complexas, abrangentes, híbridas, inquietas, provocadoras de novas conexões e associações mentais produtivas e produtoras de múltiplos discursos e de identificações.

Fica-se com a sensação de que os equipamentos culturais estão presos a uma atitude de “oferta cultural” neutra e suave, sem a preocupação com o estimulo de novas procuras, outros consumos e práticas diversificadas que contribuam de forma consistente para o desenvolvimento cultural da cidade/concelho e dos diversos públicos-alvo.

Ressalvando que, em minha opinião, tal situação se deve antes de mais a uma ausência de política cultural e a uma tendência paternalista de tutela que (ainda) entende a cultura como flor na lapela. Mas já vai sendo tempo de retirar definitivamente a lapela da flor, deixando-a livremente crescer em solos mais apropriados. Pois, há que ter em consideração um princípio “sagrado” em políticas culturais democráticas: o Estado, seja em que nível for (nacional, regional ou local), não pode ser produtor de cultura. Como refere o sociólogo António Teixeira Fernandes, “o Estado ideológico, com vocação autoritária, e sobretudo totalitária, esse apresenta-se decididamente como produtor cultural. Um Estado que, por si mesmo, produz cultura é um Estado partidário, produtor de uma cultura sectária. Em causa está uma concepção de democracia e dos domínios que devem estar ao abrigo de regulações espúrias.” ( AAVV, Públicos da Cultura, Observatório das Actividades Culturais, Maio 2004).

Foi você que pediu um Guggenheim ?!


Museu Guggenheim, Bilbao


Edifício do futuro centro museológico das Linhas de Torres, Torres Vedras
(fonte: Jornal Badaladas, 4 Janeiro 2008)



Uma pergunta

Qual é o estatuto ontológico, o estatuto de ser e de sentido das artes na cidade de hoje?

Dito de outra forma, qual a importância e a valorização conferida à criação artística nos "estados de alma" vividos individual e colectivamente nas cidades? De que modo a sua densidade e intensidade são fulcrais para uma vida pública resplandecente?

Equipamentos são meios, não fins.

Os equipamentos culturais (em si mesmos) não podem ser tidos como fins a atingir, mas apenas enquanto meios para...
Assim, não faz sentido iniciar uma acção política estratégica pela construção de um qualquer novo equipamento, um Centro de Arte Contemporânea, por exemplo.
Tal como não fará sentido desenvolver uma política de educação ancorada na ideia de construir escolas (edifícios). Os edifícios (escolas) são apenas um dos elementos da política educativa.
Ou seja, a construção de equipamentos ganha sentido se for entendida enquanto medida (opção, estratégia, ferramenta, instrumento, acção,...) que visa concretizar determinado objectivo, e por essa via também responder a uma missão ou finalidade, devidamente suportada por uma análise prévia.
E deve ter em consideração a sua sustentabilidade e uma avaliação de custos/benefícios.

Citando Paola de Biase

«O problema consiste em reconhecer que, se o reforço da liberdade e das possibilidades de iniciativa é o principal objectivo a atingir, tal objectivo jamais é o produto miraculoso do laisser-faire. A cultura é obra de indivíduos e de grupos em condições de agir e comunicar com eficácia, não é uma missão pública. Todavia, o apoio público é essencial para criar condições e asegurar meios que permitam que a comunicação recíproca entre os sujeitos se realize sem desequilibrios, segundo a lógica própria da comunicação cultural, e não segundo lógicas como a da publicidade e do mercado. Pluralidade de níveis de responsabilidade institucional das políticas culturais e pluralidade dos sujeitos não institucionais em acção neste domínio são as duas condições essenciais paras as políticas de cultura».

Urge uma revolução cidadã

«O Estado deverá ser parte da solução, mas só depois de profundamente democratizado e livre dos lóbis e da corrupção que hoje o controlam. Urge uma revolução cidadã que, assente numa sábia combinação entre democracia representativa e democracia participativa, permita criar mecanismos efectivos de controlo democrático, tanto da política como da economia.»

Boaventura Sousa Santos

(fonte: revista Visão, 2009)

Menos Hardware e Mais Software

Afinal, qual o significado de se abusar do cimento (hardware) se este não é acompanhado da massa cizenta (software) que lhe confere sentido(s) ?

As arbitrariedades museológicas do fontismo local (Parte 1)

Colocar a cultura a reboque de uma fúria construtura (construção civil) é uma das consequências da visão política em geral que grassa por Portugal. Um pouco por todo o país tem-se construído e renovado equipamentos culturais sem que depois se verifiquem os efeitos esperados ao nível do desenvolvimento dos sistemas socioculturais, objectivo essencial das políticas que promoveram a preocupação com a existência destes espaços.

Mas, mais grave é que nem sequer ao nível institucional interno (gestão, comunicação, programação, produção) se verificaram desenvolvimentos significativos. Levando-nos a colocar a seguinte questão: se não se consegue que os equipamentos existentes funcionem com a qualidade e o nível de exigência que devem ter os serviços públicos, para que serve construir mais equipamentos ?

Em Torres Vedras há dois exemplos flagrantes: o Teatro-Cine e a Galeria Municipal, que desde 2003 (data em iniciaram funções) ainda não tiveram tempo de equacionar e desenvolver um plano de comunicação digno de um serviço público de cultura que contemple principalmente os públicos potenciais dos segmentos sociais mais vulneráveis. Não tiveram tempo de se auto-regulamentarem, de desenvolverem projectos e programações marcantes numa perspectiva de contemporaneidade e de reflexão crítica que se exige ao campo cultural. Resumindo, ambos os referidos equipamentos vêm-se acomodando a uma atitude pequeno-burguesa de “oferta cultural”. Ressalvando que, em minha opinião, tal situação se deve antes de mais a uma ausência de política cultural e a uma tendência paternalista de tutela que (ainda) entende a cultura como flor na lapela. Já vai sendo tempo de retirar definitivamente a lapela da flor, deixando-a livremente crescer em solos mais apropriados.

Numa abordagem comparativa não custava muito aos referidos espaços culturais olharem para o trabalho e para as boas práticas emanadas da Biblioteca e do Arquivo Municipal. A começar pela transparência e pela informação institucional que disponibilizam em linha.

Há um princípio “sagrado” em políticas culturais democráticas: o Estado, seja em que nível for (nacional, regional ou local), não pode ser produtor de cultura. Como refere o sociólogo António Teixeira Fernandes, “ o Estado ideológico, com vocação autoritária, e sobretudo totalitária, esse apresenta-se decididamente como produtor Cultural. Um estado que, por si mesmo, produz cultura é um Estado partidário, produtor de uma cultura sectária. Em causa está uma concepção de democracia e dos domínios que devem estar ao abrigo de regulações espúrias.” (In, Públicos da Cultura, Observatório das Actividades Culturais, Maio 2004). (continua)

PRINCÍPIOS ORIENTADORES DE UMA POLÍTICA MUNICIPAL

Boa Governância: participação, cidadania, empowerment (os cidadãos, e em especial os mais vulneráveis , devem participar na definição dos problemas que os afectam e na proposta de soluções, gestão e avaliação de programas e projectos:
- Democracia participativa
- Participação efectiva e não pseudo-participação
- Planeamento colaborativo
- Orçamento participativo
- Do conflito ao consenso, e não o consenso fraco-falsificado

Transparência, informação e comunicação bidireccional (interactiva) em todos os assuntos e sectores (talvez exija a criação de um gabinete específico).
Todos os Planos, Programas e Projectos devem ser comunicados e ter um versão disponível a todos online. Pois a informação pública desta natureza não pode ser considerada informação secreta.

Novo paradigma de desenvolvimento sustentável : 4 dimensões e não 3 (Cultura, Social, Economia, Ambiente)

Reforço da inovação social e institucional: mais e melhor relação com os públicos/utentes; identificação de obstáculos à participação/fruição/uso