As arbitrariedades museológicas do “Fontismo” local

Os políticos continuam viciados em betão, em obras cujas derrapagens financeiras – diz o Tribunal de Contas - demonstram o estado desbordado a que chegou o vício. Isto é um problema, um outro é a insistência numa fúria construtora insustentável. Insustentável porque para além do custo das infra-estruturas físicas, os equipamentos construídos precisam continuamente de outros recursos para assegurar o seu funcionamento regular de manutenção.

Esta vicissitude agrava-se como sabemos em período eleitoral. Entre si os candidatos oponentes, salvo raras excepções, armam-se de betão, alcatrão, itinerários complementares, rotundas, etc. A ver quem fez mais “obra” por metro quadrado, como se a política e os territórios fossem um palco para a construção civil e as grandes empreitadas.

Um pouco por todo o país tem-se construído e renovado equipamentos culturais sem que depois se verifiquem os efeitos esperados ao nível do desenvolvimento sociocultural (aprofundamento da cidadania, dotar os agentes artísticos e as estruturas de produção com instrumentos teóricos e de análise que tornem mais eficaz a sua gestão, desenvolvimento de públicos, democratização do acesso à cultura, etc.) objectivo essencial das políticas que promoveram inicialmente a existência destes espaços.

Contudo, no que respeita às competências internas de gestão, comunicação, programação e produção dos equipamentos, não se verificaram desenvolvimentos significativos. Levando-nos a colocar a seguinte questão: se não se consegue que os equipamentos existentes funcionem com a qualidade e o nível de exigência que devem ter os serviços públicos, de que serve construir mais equipamentos? Afinal, qual o significado de se abusar do cimento (mais equipamentos) se este não é acompanhado das competências de gestão cultural que lhe confere sentido(s) ?

Em Torres Vedras há dois exemplos flagrantes: o Teatro-Cine e a Galeria Municipal, que desde 2003 (data em iniciaram funções) ainda não tiveram tempo de equacionar e desenvolver um plano de comunicação global para um serviço público de cultura exemplar, que contemple principalmente os públicos potenciais dos segmentos sociais mais vulneráveis. Não tiveram tempo de se auto-regulamentarem, de desenvolverem projectos e programações culturais regulares numa perspectiva de contemporaneidade e com a reflexão crítica que se exige ao campo cultural actual, na sua relação com um desígnio cultural tendo por base o contexto concreto da realidade sociocultural. Focadas no desenvolvimento de ideias que se transformem em fios condutores de programações coesas, suculentas, complexas, abrangentes, híbridas, inquietas, provocadoras de novas conexões e associações mentais produtivas e produtoras de múltiplos discursos e de identificações.

Fica-se com a sensação de que os equipamentos culturais estão presos a uma atitude de “oferta cultural” neutra e suave, sem a preocupação com o estimulo de novas procuras, outros consumos e práticas diversificadas que contribuam de forma consistente para o desenvolvimento cultural da cidade/concelho e dos diversos públicos-alvo.

Ressalvando que, em minha opinião, tal situação se deve antes de mais a uma ausência de política cultural e a uma tendência paternalista de tutela que (ainda) entende a cultura como flor na lapela. Mas já vai sendo tempo de retirar definitivamente a lapela da flor, deixando-a livremente crescer em solos mais apropriados. Pois, há que ter em consideração um princípio “sagrado” em políticas culturais democráticas: o Estado, seja em que nível for (nacional, regional ou local), não pode ser produtor de cultura. Como refere o sociólogo António Teixeira Fernandes, “o Estado ideológico, com vocação autoritária, e sobretudo totalitária, esse apresenta-se decididamente como produtor cultural. Um Estado que, por si mesmo, produz cultura é um Estado partidário, produtor de uma cultura sectária. Em causa está uma concepção de democracia e dos domínios que devem estar ao abrigo de regulações espúrias.” ( AAVV, Públicos da Cultura, Observatório das Actividades Culturais, Maio 2004).

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