Torres Vedras, um lugar culturalmente vibrante para todos

1. Políticas Culturais Públicas

Qualquer que seja a noção de “política cultural” esta tem tido múltiplas interpretações e diversos usos ao longo da história.

Em primeiro lugar seria preciso perguntar se é necessária a existência de uma política cultural. Porque poderia não ser. Há mesmo um pequeno grupo de pessoas para quem o Estado, nas suas diversas escalas de governação, não deveria ter qualquer política nem tutela sobre a cultura. O mercado (sector privado), nesta perspectiva, seria a instância necessária para promover o desenvolvimento cultural. Hoje, só por pura excentricidade alguém defenderá esta posição.

Não é essa a nossa posição. Defendemos a existência de políticas de cultura públicas do Estado e de âmbito local, regional e nacional, essencialmente porque se considera a “cultura” como um bem público ou um capital (um valor) que deve ser cuidado pelo conjunto da sociedade - e não apenas por empresas - e sob a sua estrutura política que é o Estado democrático.

Nalguns casos a necessidade da intervenção pública é óbvia, quem mais poderia regulamentar sobre a salvaguarda do património cultural senão o Estado? O grande desafio é então o de delimitar o significado de “cultura”, qual o seu âmbito? Quais as suas dimensões integrantes? Que relações estabelece com a cidade, com o poder político e com os cidadãos?

Neste sentido, a cultura deixa de ser considerada um luxo apenas de alguns, para proclamar-se como um direito de todos. Proclamação cuja real existência requer uma atenta intervenção pública, pois não basta dizer ou escrever que “a cultura é para todos”.

É imperativo analisar-se, por exemplo, os perfis sociográficos dos utentes dos equipamentos culturais, de modo a verificar que segmentos sociais efectivamente os frequentam ou não, tendo em consideração a composição social da população do concelho de Torres Vedras. E, consequentemente, delinear as estratégias que permitam corrigir essas mesmas assimetrias e diminuir a selectividade social dos públicos da cultura.

De facto cultura, cidade e sociedade são dimensões em constante interdependência. Não há cidade, nem sociedade sem cultura(s). Por conseguinte, pode dizer-se que cultura e sociedade são mutuamente constitutivas do todo social. A qualidade de uma afecta a plenitude da outra e vice-versa.

Quanto à noção de “cultura” - conotada aqui exclusivamente com a definição de políticas culturais - salientamos que não a fazemos coincidir apenas com as “artes”. Isto significa que, no âmbito das políticas culturais, a dimensão cultural implica um conjunto mais alargado de preocupações, incluindo:

Cultura como repertório de estilos de vida (padrões de cultura).
Cultura como tradição, memória colectiva, costumes, hábitos,...
Cultura científica: a criação e a investigação científica, a divulgação de conhecimento e a promoção dos saberes.
Cultura tecnológica: a inovação tecnológica relacionada com a produção simbólica.
Cultura artística (artes visuais, artes do espectáculo, literatura, música,...).
Cultura cívica ( associativismo cultural e científico,...).
Os direitos e as liberdades culturais.
A diversidade cultural.
O diálogo intercultural.
O património e os museus.
Os públicos da cultura.
As práticas culturais ao nível do concelho.
A criatividade e a inovação.
A economia da cultura e da criatividade (as indústrias culturais e criativas).
...

Uma das ambiguidades inerentes ao termo “política cultural” é poder pensar-se que equivale a uma administração das actividades culturais, no sentido em que se produz e programa a acção cultural. Por isso, não podemos deixar de sublinhar que a administração pública, o Estado, ou qualquer forma de governação política local ou regional não produz, nem programa, cultura. Pode e deve apenas operar estrategicamente nas outras esferas que não as da produção (criação): distribuição, acesso, democratização, regulamentação, salvaguarda, desenvolvimento, sustentabilidade, etc. Deste modo, a autarquia não pode aspirar a determinar, dirigir, controlar ou tutelar a cultura, mas antes a incentivar uma efectiva participação e a autonomia da pluralidade dos agentes.

Para além de que o acima exposto decorrer de imperativos constitucionais ( Artigo 43.º), é nossa convicção que a arte é por si mesma uma fonte inspiradora de visões do mundo polémicas e não consensuais, pelo que a intervenção em políticas públicas de cultura se deve abster de a programar, relegando essa função para o nível técnico e operacional dos directores e programadores responsáveis pelos equipamentos culturais públicos.

Por outro lado, umas das finalidades fundamentais das políticas públicas de cultura é a de desenvolver o protagonismo cultural da sociedade civil, das populações, dos artistas e criadores, dos grupos amadores, das associações, das indústrias culturais e criativas, na sua potencial diversidade e riqueza de conteúdos. Reduzindo o mais possível o protagonismo da administração pública enquanto “produtor de cultura”, pois este defeito confunde-se na maioria das vezes com a instrumentalização da cultura para fins eleitorais.

A definição de uma política cultural deve por isso sustentar-se na planificação estratégica e até ao pormenor da concepção de projectos estruturantes, adjudicando os seus conteúdos programáticos à intervenção da sociedade civil (indivíduos, grupos, associações, empresas, ...).
Este entendimento tem como pressuposto de base o dever de autonomizar de forma clara e inequívoca as instituições e os equipamentos culturais públicos (salas de espectáculo, museus, galerias, etc), garantindo as condições de trabalho e a independência aos seus responsáveis. Ao mesmo tempo que se exigem as formas de gestão e avaliação intrínsecas a um serviço público de qualidade e catalisador de boas práticas.

Isto significa que só com um forte pensamento estratégico se pode e deve encarar a dimensão cultural da política e da cidade. Ou seja, medidas avulsas, entusiasmos pessoais ou eventos culturais sazonais, não são necessários nem suficientes para elaborar uma política cultural.
Nenhuma política cultural se desenvolve no vazio, nem a partir do vazio. As cidades têm um passado, um presente e um futuro, têm ideias, têm imaginários, têm pessoas e grupos com identidades culturais variadas. As cidades são isso mesmo, a materialização das ideias ao longo do tempo, em ambientes mais ou menos criativos. As cidades devem ser o produto das suas culturas (sempre no plural: culturas), do debate das suas ideias e dos seus valores humanos.

As cidades não podem ser meras máquinas artificiais e administrativas capturadas pelos fluxos globais de hegemonização, da informação e do financiamento. Nem produtos “prontos-a-consumir” enclausuradas numa cultura burocrática.

E quanto a isto não tenhamos ilusões, ou as cidades conseguem mobilizar-se colectivamente e criar dinâmicas adequadas aos novos tempos, ou não. Por todo o mundo, por toda a Europa, ou em Portugal o panorama é idêntico: há cidades genuinamente reflexivas e criativas, e há cidades em declínio mais ou menos acentuado.

Por considerarmos que Torres Vedras já perdeu demasiado tempo com não-políticas ilusórias, tudo faremos para que num futuro próximo Torres Vedras seja um lugar culturalmente vibrante para todos.

Contamos com todos!
É a Hora!

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