Em qualquer sitio do planeta, estas generosas ofertas por parte de empresas– neste caso propriedade de uma ex-vereadora da CMTV, que num processo anterior já tinha confundido actividade privada com pública (projecto para o “páteo alfazema”) - são simultaneamente de uma incontornável ternura e de uma coercividade obscena. Por isso mesmo encontram-se penalizadas no Código da Contratação Pública (ajuste directo - Artº 113) as «entidades que tenham executado obras, fornecido bens móveis ou prestado serviços à entidade adjudicante, a título gratuito, no ano económico em curso ou nos dois anos económicos anteriores».
Imagine-se se a moda pega, o que seria se cada arquitecto decidi-se oferecer o seu mais espectacular e pujante projecto com a condição de ser construído? Seriam oportunismos únicos para cada um deles poder exibir-se no céu brilhante da actual arquitectura super-hiper-pós-moderna-e neo-conservadora-talvez. Por outras palavras poderia chamar-se concorrência desleal – sem concurso, sem encomenda, sem júri, sem concorrentes e sem contratação. Para além disso, no programa eleitoral de 2005 do PS do Dr. Carlos Miguel estava previsto um “concurso de ideias internacional”, e não a aceitação da primeira oferta que lhe chegasse do gabinete de arquitectura mais influente na cidade. Neste caso, nem mesmo a entidade ofertante pode evocar desconhecimento. Bem sabemos que se emendou a mão à ultima da hora, convidando outros arquitectos a participarem com projectos seus. Mas nenhum parece ter aceite a ideia, claro! Se a moda pegar mesmo, podem desde já os(as) senhores(as) arquitectos(as) preparar o projecto para o futuro centro interpretativo do Castro Zambujal, e enviar um “press release” para o jornal da sua preferência - com uma imagem virtual 3D - anunciando a graciosa oferta ao edil.
Este modus operandis que consiste em oferecer primeiro uma imagem (do contentor) e pensar no programa museológico (conteúdos) depois, não nos parece que seja a forma mais correcta de desenvolver projectos culturais com visão estratégica e integrada. Cremos no entanto que o projecto de arquitectura terá sido posteriormente revisto em consonância (?). Contudo, segundo Edital do PEPAL (estágios para a administração pública local) de 16 de Maio de 2008, era pedido um estagiário para o sector da cultura com a função de elaborar o programa museológico do referido centro interpretativo. Pelo que ficamos sem saber quando e se houve tal adequação. No que se refere ao projecto de arquitectura e à sua oferta, parece uma evidente oportunidade para se obter visibilidade através de um projecto monumental e espectacular (icónico) financiado com dinheiros públicos.
Esta é sem dúvida uma corrente de arquitectura que ganhou maior expressão nos últimos anos, os chamados arquitectos-estrela consideram que o mais importante é fazer projectos pomposos e visualmente atractivos de modo a competirem no mercado global da arquitectura, designadamente em projectos públicos de Museus e Centros Culturais. Claro que esta situação jogava bem com o auge financeiro tóxico do Capitalismo Neoliberal, mas entretanto, com a crise estrutural da economia e a ruptura com alguns dos paradigmas subjacentes é preciso regressar a um modelo de arquitectura menos icónica, mais económica e sustentável, que gaste menos cimento e materiais de construção, e que seja mais humanizada.
No caso do Centro Interpretativo das Linhas de Torres Vedras, a quantidade de imagens virtuais do projecto disseminadas em jornais e pela Internet deram já um elevado contributo em termos de “branding” e prestígio ao gabinete que as apresentou. Apesar de não nos posicionarmos contra ou a favor do prestígio de quem quer que seja, transparece neste processo uma prioridade dada a interesses privados (a entrada no “star system”, dos “starchitects”) em vez de no interesse público e colectivo em vários âmbitos: sustentabilidade, igualdade de oportunidades, economia e cultura. Assim, e neste processo, as aparências (imagens virtuais) acabaram por ganhar mais relevância e prioridade do que os objectivos fundamentais: preservar e valorizar um património cultural. Note-se que não estamos aqui a discutir a qualidade da arquitectura, mas a forma processual e ausência estratégica de uma visão política que deveria preceder à pressão da mera oferta de um projecto de arquitectura.
Esta questão está também intimamente associada à convicção polémica de que as cidades garantidamente se valorizam, em termos de Marketing Urbano, com este tipo de projectos “Guggenheimizados” induzidos pelo “efeito Bilbao”. É que o mero espectáculo está a tornar-se rapidamente um lugar comum em todo o mundo, logo, aquilo que à partida seria uma vantagem competitiva acaba por desvanecer-se por entre a moda internacional do “franchising cultural” dos museus-marca. Na esteira da proliferação universal dos McDonalds já é possível ir ao Museu do Louvre em Abu Dhabi. E se o Centro Interpretativo fosse um projecto mais integrado na paisagem (horizontal) e menos espectacular? Como por exemplo a escola de hotelaria de Portalegre do arquitecto Souto Mouro. Esta pergunta teria utilidade se existissem outros projectos para comparar, mas não há.
Para concluir, as palavras de entrevista a Juhani Pallasmaa, arquitecto filandês ao "El País", edição de 12 de Agosto de 2006: «La arquitectura actual tiende a ser retiniana, se dirige al ojo. Es narcisista porque enfatiza al arquitecto, al individuo. Y es nihilista porque no refuerza las estructuras culturales, las aniquila. Hoy los mismos arquitectos construyen por todo el mundo y los mismos edificios están en todas partes. Así es difícil que la arquitectura pueda reforzar ninguna cultura.»