Foi você que pediu um Guggenheim ?!

O processo de nascimento do Centro Interpretativo das Linhas de Torres Vedras foi e continua a ser nebuloso. Segundo notícia do jornal Badaladas (05/05/2006) o Gabinete de Arquitectura Lema Barros + Castelo Branco formalizou uma oferta do projecto (estudo prévio) à Câmara Municipal de Torres Vedras (CMTV) no dia 13 de Abril de 2006. Logo a seguir, no Badaladas de 23/06/2006, o presidente da Câmara elogia e defende o projecto como sendo «arquitectura de vanguarda», legitimando assim um gosto pessoal tornado oficial.

Em qualquer sitio do planeta, estas generosas ofertas por parte de empresas– neste caso propriedade de uma ex-vereadora da CMTV, que num processo anterior já tinha confundido actividade privada com pública (projecto para o “páteo alfazema”) - são simultaneamente de uma incontornável ternura e de uma coercividade obscena. Por isso mesmo encontram-se penalizadas no Código da Contratação Pública (ajuste directo - Artº 113) as «entidades que tenham executado obras, fornecido bens móveis ou prestado serviços à entidade adjudicante, a título gratuito, no ano económico em curso ou nos dois anos económicos anteriores».

Imagine-se se a moda pega, o que seria se cada arquitecto decidi-se oferecer o seu mais espectacular e pujante projecto com a condição de ser construído? Seriam oportunismos únicos para cada um deles poder exibir-se no céu brilhante da actual arquitectura super-hiper-pós-moderna-e neo-conservadora-talvez. Por outras palavras poderia chamar-se concorrência desleal – sem concurso, sem encomenda, sem júri, sem concorrentes e sem contratação. Para além disso, no programa eleitoral de 2005 do PS do Dr. Carlos Miguel estava previsto um “concurso de ideias internacional”, e não a aceitação da primeira oferta que lhe chegasse do gabinete de arquitectura mais influente na cidade. Neste caso, nem mesmo a entidade ofertante pode evocar desconhecimento. Bem sabemos que se emendou a mão à ultima da hora, convidando outros arquitectos a participarem com projectos seus. Mas nenhum parece ter aceite a ideia, claro! Se a moda pegar mesmo, podem desde já os(as) senhores(as) arquitectos(as) preparar o projecto para o futuro centro interpretativo do Castro Zambujal, e enviar um “press release” para o jornal da sua preferência - com uma imagem virtual 3D - anunciando a graciosa oferta ao edil.

Este modus operandis que consiste em oferecer primeiro uma imagem (do contentor) e pensar no programa museológico (conteúdos) depois, não nos parece que seja a forma mais correcta de desenvolver projectos culturais com visão estratégica e integrada. Cremos no entanto que o projecto de arquitectura terá sido posteriormente revisto em consonância (?). Contudo, segundo Edital do PEPAL (estágios para a administração pública local) de 16 de Maio de 2008, era pedido um estagiário para o sector da cultura com a função de elaborar o programa museológico do referido centro interpretativo. Pelo que ficamos sem saber quando e se houve tal adequação. No que se refere ao projecto de arquitectura e à sua oferta, parece uma evidente oportunidade para se obter visibilidade através de um projecto monumental e espectacular (icónico) financiado com dinheiros públicos.

Esta é sem dúvida uma corrente de arquitectura que ganhou maior expressão nos últimos anos, os chamados arquitectos-estrela consideram que o mais importante é fazer projectos pomposos e visualmente atractivos de modo a competirem no mercado global da arquitectura, designadamente em projectos públicos de Museus e Centros Culturais. Claro que esta situação jogava bem com o auge financeiro tóxico do Capitalismo Neoliberal, mas entretanto, com a crise estrutural da economia e a ruptura com alguns dos paradigmas subjacentes é preciso regressar a um modelo de arquitectura menos icónica, mais económica e sustentável, que gaste menos cimento e materiais de construção, e que seja mais humanizada.

No caso do Centro Interpretativo das Linhas de Torres Vedras, a quantidade de imagens virtuais do projecto disseminadas em jornais e pela Internet deram já um elevado contributo em termos de “branding” e prestígio ao gabinete que as apresentou. Apesar de não nos posicionarmos contra ou a favor do prestígio de quem quer que seja, transparece neste processo uma prioridade dada a interesses privados (a entrada no “star system”, dos “starchitects”) em vez de no interesse público e colectivo em vários âmbitos: sustentabilidade, igualdade de oportunidades, economia e cultura. Assim, e neste processo, as aparências (imagens virtuais) acabaram por ganhar mais relevância e prioridade do que os objectivos fundamentais: preservar e valorizar um património cultural. Note-se que não estamos aqui a discutir a qualidade da arquitectura, mas a forma processual e ausência estratégica de uma visão política que deveria preceder à pressão da mera oferta de um projecto de arquitectura.

Esta questão está também intimamente associada à convicção polémica de que as cidades garantidamente se valorizam, em termos de Marketing Urbano, com este tipo de projectos “Guggenheimizados” induzidos pelo “efeito Bilbao”. É que o mero espectáculo está a tornar-se rapidamente um lugar comum em todo o mundo, logo, aquilo que à partida seria uma vantagem competitiva acaba por desvanecer-se por entre a moda internacional do “franchising cultural” dos museus-marca. Na esteira da proliferação universal dos McDonalds já é possível ir ao Museu do Louvre em Abu Dhabi. E se o Centro Interpretativo fosse um projecto mais integrado na paisagem (horizontal) e menos espectacular? Como por exemplo a escola de hotelaria de Portalegre do arquitecto Souto Mouro. Esta pergunta teria utilidade se existissem outros projectos para comparar, mas não há.

Para concluir, as palavras de entrevista a Juhani Pallasmaa, arquitecto filandês ao "El País", edição de 12 de Agosto de 2006: «La arquitectura actual tiende a ser retiniana, se dirige al ojo. Es narcisista porque enfatiza al arquitecto, al individuo. Y es nihilista porque no refuerza las estructuras culturales, las aniquila. Hoy los mismos arquitectos construyen por todo el mundo y los mismos edificios están en todas partes. Así es difícil que la arquitectura pueda reforzar ninguna cultura.»

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