O (o)caso do Museu Municipal Leonel Trindade

No programa eleitoral do PS (Autárquicas 2005) pode ler-se «Criar novas dinâmicas e novos públicos para o Museu Municipal Leonel Trindade (MMLT) é um objectivo que nos propomos concretizar no próximo mandato.». Este é o único compromisso apresentado relativamente ao Museu.

Sabendo-se igualmente que desde a sua fundação em 1929 a Missão do MMLT (em regulamento interno aprovado em 1992) é ser um Museu de Arqueologia, História e Pré-História, pergunta-se: haveria legitimidade política para desencadear, sem um amplo debate e consulta pública, uma remodelação/renovação/reformulação ainda hoje em curso no Museu Municipal Leonel Trindade?

Na prática, nem foi alcançado o objectivo proposto pelo PS, e pior, foi desrespeitada a ligação intima e forte que deve existir entre Museu e Comunidade. Esta conexão entre comunidade, memória colectiva, identidade cultural e património (tudo no plural) é a essência daquilo a que chamamos Cultura no seu sentido antropológico mais vasto. A propósito da falta de notoriedade do museu é interessante ver uma reportagem da Torres TV em http://www.torrestv.com/videos/Aqui-Por-Torres-Ep-01.html.

Estamos de acordo com o facto de o MMLT desde há muito precisar de uma avaliação e da subsequente reformulação a vários níveis (programação, públicos, gestão, comunicação, áreas, etc.), no entanto esta reformulação deveria ser acompanhada de uma metodologia onde estivesse naturalmente previsto um período de diagnóstico, de consulta pública e de debate. Só assim se respeitariam as relações estabelecidas entre museu e comunidade, durante precisamente oitenta anos.

Assim, não se nos afigura nem legítimo nem democrático que o executivo eleito em 2005, e com maioria absoluta, tenha decidido unilateralmente implementar um «novo museu municipal» no sítio onde até há pouco tempo era o Museu Municipal Leonel Trindade. Uma certeza elementar é que não é assim que se criam novas dinâmicas e se cativam novos públicos. Antes pelo contrário, é com este tipo de atitudes que se vai criando o fosso entre o público mais fiel, interessado e prescritor, e as instituições culturais que passam a existir num limbo abstracto e sem massa crítica (sem públicos de proximidade) que as promovam e com elas colaborem para o sucesso das suas missões de fundo: serem um serviço público de qualidade que promove e defende um bem público: a Cultura.

Mais paradoxal tudo se torna quando se diz que este «novo museu municipal» tem como modelo o «Museu de Sociedade», onde a prioridade seria naturalmente a comunidade e às suas dinâmicas societais. Discursos e representações à parte, é urgente que se perceba que uma instituição cultural é essencialmente uma plataforma de sociabilidades (de interacção e de produção de sentidos e novas possibilidades), e que essas sociabilidades só são efectivas quando existe um profundo reconhecimento do papel activo derivado da proximidade local e um entendimento do que significa a fidelização dos públicos. E isso não se consegue apenas com recurso a estratégias de marketing clássico e comercial ou de eventos espectaculares episódicos, é fundamental desenhar estratégias de comunicação bidireccional e de comunicação institucional que respeitem e sejam respeitadas. Neste ponto da relação institucional (afectiva, emocional, e cognitiva) é igualmente conhecida a importância e o valor que o MMLT tinha para os inúmeros estudantes e professores de História e de Arqueologia, em Portugal e no estrangeiro. Portanto, nunca seria razoável, nem racional, liquidar (por capricho ?) um Museu com oitenta anos de vida e com uma história personificada no Arqueólogo Leonel Trindade, uma personalidade de referência para Torres Vedras.

Resumindo: 2007 (o imaginário ano do museu) já lá vai, e em véspera de novas eleições autárquicas é possível afirmar que neste mandato, a maioria deste executivo municipal teve o condão de fazer desaparecer um museu, e a desfaçatez de ver chumbado pelo IGESPAR o projecto de qualquer coisa que nós, cidadãos e povo soberano deste território, desconhecemos ainda hoje. É este o respeito que nós cidadãos (e não súbditos) merecemos dos eleitos?
Em vez de um Museu temos hoje uma “exposição temporária” – que de temporária nada tem, pois prolonga-se por onze meses. E que só seria “temporária” se existisse uma exposição permanente, por oposição.

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