As arbitrariedades museológicas do fontismo local (Parte 1)

Colocar a cultura a reboque de uma fúria construtura (construção civil) é uma das consequências da visão política em geral que grassa por Portugal. Um pouco por todo o país tem-se construído e renovado equipamentos culturais sem que depois se verifiquem os efeitos esperados ao nível do desenvolvimento dos sistemas socioculturais, objectivo essencial das políticas que promoveram a preocupação com a existência destes espaços.

Mas, mais grave é que nem sequer ao nível institucional interno (gestão, comunicação, programação, produção) se verificaram desenvolvimentos significativos. Levando-nos a colocar a seguinte questão: se não se consegue que os equipamentos existentes funcionem com a qualidade e o nível de exigência que devem ter os serviços públicos, para que serve construir mais equipamentos ?

Em Torres Vedras há dois exemplos flagrantes: o Teatro-Cine e a Galeria Municipal, que desde 2003 (data em iniciaram funções) ainda não tiveram tempo de equacionar e desenvolver um plano de comunicação digno de um serviço público de cultura que contemple principalmente os públicos potenciais dos segmentos sociais mais vulneráveis. Não tiveram tempo de se auto-regulamentarem, de desenvolverem projectos e programações marcantes numa perspectiva de contemporaneidade e de reflexão crítica que se exige ao campo cultural. Resumindo, ambos os referidos equipamentos vêm-se acomodando a uma atitude pequeno-burguesa de “oferta cultural”. Ressalvando que, em minha opinião, tal situação se deve antes de mais a uma ausência de política cultural e a uma tendência paternalista de tutela que (ainda) entende a cultura como flor na lapela. Já vai sendo tempo de retirar definitivamente a lapela da flor, deixando-a livremente crescer em solos mais apropriados.

Numa abordagem comparativa não custava muito aos referidos espaços culturais olharem para o trabalho e para as boas práticas emanadas da Biblioteca e do Arquivo Municipal. A começar pela transparência e pela informação institucional que disponibilizam em linha.

Há um princípio “sagrado” em políticas culturais democráticas: o Estado, seja em que nível for (nacional, regional ou local), não pode ser produtor de cultura. Como refere o sociólogo António Teixeira Fernandes, “ o Estado ideológico, com vocação autoritária, e sobretudo totalitária, esse apresenta-se decididamente como produtor Cultural. Um estado que, por si mesmo, produz cultura é um Estado partidário, produtor de uma cultura sectária. Em causa está uma concepção de democracia e dos domínios que devem estar ao abrigo de regulações espúrias.” (In, Públicos da Cultura, Observatório das Actividades Culturais, Maio 2004). (continua)

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